segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Vinho, caderneta e caneta

A despedida do Brasil tinha que ser em alto nível. Tinha que ser no Rio de Janeiro. Tinha que ser em Botafogo. Tinha que ter o Cristo. Era urgente a leveza carioca. E teve tudo isso.

Nesse dia que literalmente a “ficha cai”, as férias tupiniquins encerram e mostram que o grande passo está por vir. Você percebe que está dizendo adeus ao seu idioma, à patente de ser natural do País, nota que já não será tão fácil ver e falar com quem você gosta e que a decisão tomada está prestes à ser executada. Sensação de caminho sem volta.
Entrar em sabático não é tão fácil quando entrar de férias.
Sexta-feira melancólica, gosto amargo.
Eu gosto de amargo. Mas prefiro sweet sparkly.
A opção de leveza na vida feita há anos tem que prevalecer. Vale assisti à primeira sessão do “Os Normais 2”. Ir embora lembrando do quanto eu gosto de Rui e Vani. Comediazinha fácil num dia difícil. Boa escolha. Mais uma vez a pipoca sobrou, ficou literalmente pela metade, lembrando a companhia cotidiana daquele programa. Mais uma renúncia cujas consequências devem ser toleradas.
O ritual de despedir-se tem seu ponto máximo. Restaurante Tiramisu. Frente para o mar. Visão para o Pão de Açúcar. Lasanha de berinjela. Vinho australiano. Solidão.
A visão privilegiada transmutou-me contemplativa, talvez o vinho tenha ajudado. Minha companhia foi a caderneta e a caneta.
Caderneta e caneta não falam, não riem, não te pedem para ficar, nem falam que vão sentir falta de você.
Até te ouvem, mas sem contestar, não vêm deles o conselho ou a nota de apoio, nem tampouco o questionamento.
Mas é o que se tem: caderneta e caneta. Até aquele momento era o que eu pensava. Meu almoço com vista para o Pão de Açúcar, vinho e massa eram só para mim e minhas memórias of course.
Esforço hercúleo para ficar feliz, como se felicidade viesse à la carte.O vinho era amargo. A berinjela amargava.
O toque de doçura da refeição, veio do garçon, que, quem sabe compreendendo a qualidade dos pensamentos que vagavam naquela refeição e a importância da companhia da caderneta e caneta sempre parava, enchia o taça, oferecia azeite e o melhor: olhava nos olhos e sorria.

Sorria o sorriso daqueles que eu queria à mesa, mirava com a doçura de minha mãe, de meus amigos, dos alunos, compreendeu no silêncio, a importância daquela refeição, tanto que sempre encerrava suas intervenções, com um simpático: “não tenha pressa, aproveite a comida, a bebida, a paisagem e escreva muito”.
Sábio conselho. Não poderia dizer melhor.
O vinho começou a embriagar. O mundo gira. Nada vai ficar parado. Nem eu. “- A conta por favor!”
E aquela refeição encerrou com a conta paga, e à hora de ir embora, num súbito maravilhoso, daqueles que nos faz acreditar piamente na existência de Deus, um novo olhar, mais um sorriso e de brinde um grande abraço do garçon, que se despediu daquela desconhecida com o afeto que amenizou a dor da escolha de não ter de quem se despedir no dia da despedida. Deus existe.

(esse texto é dedicato especialmente aos "meus garçons")

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meu nome é Jonhnny


À primeira vista parecia só mais um garoto. Talvez nem tivesse vivido tanto para ter muito o que contar. Ledo engano.

Na roda que se formou, o esperado era que fosse apenas mais um ouvinte e “rinte” e “perguntinte” quê necessariamente um falante...Ledo engano.

Claro que os experientes iriam dominar a conversa, pois tinham vivido mais, tido grandes aventuras, os maiores amores, eram senhores das grandes sagas, titulares de enormes aprendizados. Ledo engano.

Num giro; numa deixa para um comentário, o menino virou rapaz que virou homem e depois um velho...um sábio...e todos se calaram para ouvir o menino.

Estávamos conversando com Johnny. João Estrela. Igual àquele que inspirou o livro, e que depois virou filme estrelado por Selton Mello, mas que por sorte conseguiu virar sua estória antes dela virar contra ele. Santa paranóia. Bendita bad trip.

Contou-nos como é possível viver dez anos em um pela força da imaturidade da juventude e amadurecer esses mesmos dez anos em meses.

Ensinou-nos que o tempo é fugaz, que o menino pode ensinar ao velho, e que às vezes alguns males podem vir mesmo para o bem. Ensinou que os anjos podem se vestir até de doenças para nos proteger, e que suas asas algumas vezes podem ser “câmeras ocultas e agentes secretos” a nos vigiar, nos impedir o próximo passo...

De fato, a sabedoria do garoto, sua experiência de vida, e sua generosidade em compartilhar, além de tudo, foi um tapa na arrogância dos mais velhos para com os mais novos, sempre achando que têm muito a ensinar e muito pouco a aprender. Ledo engano.

Impressionou sua coragem, seu desprendimento, contou o que nem todos têm coragem para contar, se abriu perante estranhos, ousou ser ousado, e não se via de suas palavras a arrogância comum do adolescente, mas a maturidade do velho, ao reconhecer que viveu, errou e aprendeu.

Tanto aprendeu que sua guinada na vida foi literalmente de 180 graus....em todos os sentidos possíveis, inclusive territoriais.

Mais do quê aprendeu, nos ensinou. E muito.

E todos que o circundavam, inclusive eu, tornaram-se ouvintes, “rintes” e “perguntintes”...enfim tudo, menos falantes.
Ledo engano. Ainda bem.

Noites Tupiniquins



Começar um sabático nos inspira profundas modificações de vida, o que impõe outras muitas mudanças menores, mas não menos importantes...devemos aprender a sair de nossa rotina, abrir a mente para novos aprendizados, abrir o coração para novos encantamentos, enfim nos impor um outro ritmo de viver.

Ir ao Rio de Janeiro antes de dá um pulo para o outro lado do mundo me pareceu um jeito sábio da mudança não ser tão brusca. Lá outros idiomas são familiares, mas você vai ouvir e falar (na maioria das vezes) o português; você se sente meio que viajando dentro de sua casa e no meu caso, meio que arrodeando dentro um universo muito familiar: Bairro de Botafogo.

Eis um lugar único na Cidade Maravilhosa. Mistura aquele cheiro de cidade pequena, com casarões do tempo de império, muitos idosos andando para lá e para cá, cenário que nos é tão familiar, mesclando-se com a boemia da cidade grande, não é tão Copacabana, mas com a mesma inspiração, além do bônus de uma visão incrível para o Morro da Urca, doce como o açucar de seu pão.

Dentro dos casarões, dos botequins, dos salões de beleza de bairro, onde senhorinhas bem arrumadas contam com a maior facilidade suas estórias (tomara que o neto de Dona Lúcia esteja bem no papel que conseguiu em Malhação e que a amiga dela tenha conseguido alugar a quitenete), há um lugar em especial especial para se prestar atenção.

Por mais que eu tente fugir de lá, e eu não tento, sempre acabo por lá, tanto que a intimidade já derrubou algumas regras e hoje eu posso dizer que sou hóspede, amiga, visitante e quase-useful do hostel mais descolado da cidade, segundo palavras de um grande jornal, onde uma das coisas mais agradáveis de fazer é simplesmente não fazer nada e ver a vida passar deitada num puff, jogando conversa fora com todo tipo de gente que desembarca por lá, ainda mais quando por camaradagem (e um pouco de culpa por não terem perdido minha reserva) a gente ganha uma incrível caipirinha de lima, para acompanhar o papo, que só encerra quando o dia raia e já é hora de voltar para casa, fechar as malas e embarcar...para a nova casa...

Por lá, você pode explicar em inglês, que você entende o idioma de Sheakspeare, só não entende de música, daí porque não participa da conversa com o baterista inglês que veio fazer "não sei o quê" com Chico Buarque e outros músicos de renome e engrenou uma conversa com o mais carioca dos cariocas, que no passado também foi roqueiro, isso tudo ao som da música dos índios de parantins, of course...

Pode também descobri que suas raízes sempre estão perto, e que depois de sua vinda, outros tantos paraíbas por alí já chegaram e encantaram, tanto que hoje o forró é bem presente na trilha que envolve as cores e as sombras das noites tupiniquins.

É nessa hora que alguém chega a brilhante conclusão que os nordestinos são os únicos brasileiros que se identificam como conjunto e que podem até brigar entre si (que o digam as estórias envolvendos cearenses e pernambucanos que passaram por lá teimando em quem era melhor), mas basta alguém diminuir o brilhantismo do Rei do Baião ou falar que Carne Seca não é uma iguaria dos Deuses, que a defesa com sotaque arretado sempre toma a frente, fazendo honrar nossa região.

Foi por lá que perguntaram: Você já viu paulista defendendo carioca quando se fala algo do Sudeste? Ou alguém do Acre tomando as dores de um Amazonino? Mas se alguém falar do ceará ao paraibano, certamente o sentimento de conjunto nordestino aparece e algum argumento virá...

E para aprender isso, eu tive que sair do nordeste e me entrosar num ponto onde ser gringo é a regra: os hostais cariocas.

Nesse mesma noite, tentei acompanhar o passeio alcóolico de um figura incrível, um verdadeiro mineiro (de fato ele não é mineiro), mas tem todo jeito, daí porque o batizei como tal. Parece quieto, mas fala pelos cotovelos e todas as outras articulações do corpo e adora repetir o que fala.

Seu e-mail, por exemplo, eu acredito que todos os hóspedes da noite decoraram, mesmo dependendo de um processo mneumonico incrível; mas foi sua coragem para provar as invenções alcóolicas do akelá do hostel "assim Mozão não fica com tanta raiva, pois sair para beber cerveja é conduta grave, mas tomar uns drinks é chique", sendo um depois do outro, ou melhor, um com outro, e outro, foi a tônica da noite. Dali sairam causos incríveis de todos, pois quando ele se virou, todos estavam conversando com ele, inclusive os ingleses, sem entender uma palavra de português e ele sem entender uma de inglês, mas se comunicaram e o riso saiu frouxo dos rostos de todos...

Somente uma figura do naipe de Rodolpo, para convencer Mozão, que depois de ter sido expulso de casa e caído de paraquedas nos aconchego tupiniquim, que eles deveriam voltar, mas que ele precisava passar mais uns dias (além dos outros 15 que já havia passado morando e tomando toda a cerveja de lá) para se recuperar do trauma e retomar a relação, posto que evidentemente se amavam...só depois de tomar mais uma caipirinha de lima e outro "sei lá o quê com vodka", para compreender a perfeita junção dos pensamentos do mineiro... Mas infelizmente a bebida não era tão forte e eu não consegui absorver a perfeição de seu argumento...mas o e-mail dele eu não esqueci...rmz963..@algumacoisa.com.br...até porque como ele mesmo me explicou: é muito lógico e fácil de lembrar...

Por fim, a noite, minha última noite no Brasil, se encerra, graças a Deus sem ressaca, mas cheia de grandes lembranças, das muitas vezes que voltei aquele lugar e na certeza que da próxima vez, minha reserva será mantida...até porque sempre é bom rever a galeria de fotos do Rio antigo montadas sob um véu de luz negra, recanto que sempre é objeto de eterno convite a um breve retorno...

domingo, 6 de setembro de 2009

Mais figuras do museu: lavando louça com Maria

O Rio de Janeiro continua lindo...e creio que sempre continuará assim...pois ano a ano continua despertando nas pessoas uma sensação de felicidade única.


Quem quer só trabalhar e fazer dinheiro sonha com São Paulo, e entendam, que eu nada tenho contra a Paulicéia Desvairada, terra onde nasci e que eu também adoro, mas quem além de tudo isso ainda acha que a felicidade pode está entre um chope e outro no botequim “pé sujo” da esquina vai para o Rio de Janeiro.


Exatamente por constar no ideario popular como lugar de oportunidades (apesar das estatísticas mostrarem o contrário) o Rio é colocado como um dos “Eldorado” do país. A Cidade Maravilhosa ainda atrai uma multidão para lá viver e sobreviver, que junto com os “Cariocas da Gema” formam um todo indescritivelmente interessante, cheio de figuras merecedoras de constar do meu “Museu de Gente”.


E nessa deliciosa confusão de figuras humanas incríveis você pode se deparar com encaixes perfeitos nas esquinas mais inusitadas, como Maria e Seu Milton...que sequer se conhecem, mas que certamente mereceriam algumas horas num botequim, numa lanchonete ou num ponto de ônibus para conversarem...


Maria, que poderia se chamar Josefa, Sebastiana, Raimunda, Das Dores é mais uma das tantas nordestinas residentes no Rio de Janeiro, que confirmam as estatísticas do quando é difícil a vida das mulheres pobres do nosso País.


Ainda bem que Maria hoje está bem, à vista dela, e isso é o que verdadeiramente importa. Ela está muitíssimo bem, e em meio aos gringos, sem falar uma palavra em inglês ou espanhol, ela se comunica como ninguém, servindo o café da manhã e a fazendo a limpeza do hostal onde me hospedei, sempre com um sorriso no rosto, que não sei se é uma inata simpatia ou o jeito que ela criou para se comunicar em inglês, espanhol, japonês, hebraico....afinal carisma é uma linguagem universal que conecta todos os seres humanos, dignos de serem chamados de humanos.


Pois bem, Maria é mais uma Maria, filha e neta de outra Maria, e também mãe de outras Marias que também poderiam ser Josefas, Sebastianas, Raimundas ou qualquer outro nome comum no interior do nordeste.


Sua mãe teve uma "ruma" de filhos, criados feito “rama de batata”, estudou apenas até a 4ª série, pois o sustento que o pai trazia para casa cortando lenha para vender mal dava para comprar o pão de todo dia...na verdade não dava....daí porque alguns irmãos de Maria, bem como uma filha dela própria foram distribuídos por sua mãe a quem pudesse prover o que a família não provia, numa prática muito comum nas comunidades mais pobres do nosso Brasil.


Diga-se de passagem, Maria não aprendeu muita coisa na escola, pois sem comida no “bucho” nenhuma criança (e os adultos também) aprende qualquer coisa e a merenda...essa, só de vez em quando, quando o Prefeito queria aparecer, como ela própria concluía....então Maria não se espante que Maria, mesmo tendo a 4ª série seja mais um dos muitos analfabetos funcionais de quem tanto gostam de falar os estatistas em seus estudos...


Maria é mãe de sete filhos, o primeiro filho de “um gentil eletricista” que trocou a “inocência” da menina por algumas voltas de bicicleta... literalmente, afinal esse é o roteiro de um romance com ares de pedofilia.


Dele Maria ainda lembra com uma sombra de sorriso, não sei se pelas voltas de bicicleta ou pela "volta" que levou depois do eletricista bom de lábia, mas carinhoso, que diga-se de passagem, era casado e não assumiu o rebento.


Desse filho, Maria é formalmente irmã, já que a criança foi registrada pela avó e avô, numa forma comum de esconder a vergonha familiar.


Como forma de ganhar o sustento, aos 14, que poderiam ser 12, 13, 15...Maria foi morar numa “casa de família”, onde além dos serviços da casa em troca de poucos caraminguás, também serviu, à força, ao padrão, pai de seu segundo filho, até hoje registrado de "pai desconhecido" e motivação do fim da relação empregatícia, para não falar escravatícia...pois não há como não vislumbrar a identidade com“Casa Grande e Senzala” na estória de Maria...


Mas Maria queria vida melhor e foi embora para Espírito Santo...e de um Espírito Não Santo Capixaba mais duas Mariazinhas nasceram....e como uma corda de caragueijo seguiram para o Rio de Janeiro em busca de um destino melhor...do "Eldorado" dos nordestinos sonhadores....


Mas as estórias das Maria, parecem se repetir, o próximo encontro de Maria, que lhe rendeu mais um rebendo, também foi um encontro com as estatísticas que fizeram nascer a Lei “Maria da Penha” (mais uma Maria,) e nossa Maria, com os filhos nos braços fugiu das surras movidas à cachaça que tomava do novo companheiro...


Se alguém perdeu as contas, estamos no quinto filho de Maria...que como todo brasileiro...não desiste nunca...e Maria caiu nos braços de um “paraíba” conversador que sempre lhe trazia charque, farinha e dizia querer cuidar dela e da gurizada...não deu outra....mais dois filhos para Maria cuidar e menos um homem cuidando de Maria...


É, realmente eu confesso que cheguei a conclusão de que minha personagem de museu tem um “dedo podre” para homens, inclusive a aconselhei a se manter distante deles, haja vista a evidente falta de sorte e plena fertilidade dessa mulher, ainda bonita, mesmo depois de tantos baixos e mais baixos e mais baixos ainda na vida...


Mas não pensem que Maria não é uma mulher sábia, pois ela o é (menos para assuntos românticos, pois acredito que se topar com outros "Don Juans" teremos mais bebezinhos para aumentar a população de brasileiros no mundo...



Maria é uma mulher, que me orgulha de ser mulher, e que se orgulha de trazer o sustento dos filhos a partir de seu trabalho, que valoriza cada aprendizado da vida (refere-se à casa onde foi estuprada como o lugar onde aprendeu o ofício que lhe paga o salário hoje em dia), alguém que já rejeitou a ajuda assistencialista de uma igreja dizendo ao pastor “que ela queria aprender a pescar e não apenas ganhar a cesta básica” de todo mês, uma mulher guerreira que cria todos os filhos, não tendo nenhum deles desencaminhado e que mesmo após horas de trabalho, subindo e descendo escadas e compreendendo o incompreensível, como o pedido de novas toalhas das estudantes inglesas, ainda mantém um inalterável sorriso no rosto e a disposição para prosear enquanto lava a louça de nosso breakfast e para organizar uma sessão de estudo bíblico com outra crente à noite quando chega em casa do trabalho e fiscaliza a lição e a limpeza dos filhos....Um leoa, verdadeira guerreira..soldado numa guerra injusta, marcada pela corrupção que rouba o pão, leite, remédio e direito ao estudo dos mais pobres, pelo machismo que aceita o estupro e o que mais marcou pelo direito universal a uma infância feliz que foi arrancado das mãos dessa mulher e não há como ser devolvido hodiernamente.


Enquanto isso, enquanto eu lavo meus pratos e ela prepara o "mised eggs" dos garotos irlandeses, eu me quedo imaginando o que teria sido da estória dela se numa das esquinas do Rio, tivesse Maria topado com alguém da qualidade de Seu Milton em sua vida...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Um "Jara" para chamar de meu....

Uma das melhores coisas quando se está no eixo Rio-São Paulo é a fervilhante vida cultural que permeia essas cidades.

O Rio especialmente adora viver a cultura. Em todo canto encontra-se um anúncio de um evento interessante, seja você de que tribo for. Sempre tem um curso, uma mostra, um cinema, um teatro, um show, uma festa perto de onde você está. E isso me encanta. Certamente é um dos motivos para sempre que posso pousar pela Cidade Maravilhosa e de ter escolhido ela para ser o ponto inicial do meu sabático.

A escolha foi puramente intuitiva, eu simplesmente tinha que vir para o Rio, sabia disso. Uma amiga ao telefone comentou que foi uma escolha sábia, pois eu começaria a jornada rompendo, pero nem tanto (comparando-se à distância e as facilidades de comunicação existentes entre o Rio de Janeiro e Sydney, of course).

Caminhando pela cidade compreendi o que ela disse e cheguei a ir além. O Rio é a cidade mais Cosmopolita que eu conheço, tem lugares onde o índice de gringos pode ser igual ou maior que o de brasileiros (no meu albuergue eu sou a única brasileira). O inglês e o espanhol se misturam ao português com uma naturalidade que somente aqui...

Então, certamente é menos traumático começar pela Cidade Maravilhosa até assumir por completo a vida de aussie brazuca que já começar com uma ruptura total precedido de um vôo de 18 horas...(4 até Buenos Aires e 14 até Sydney)...

Mas voltando a vida cultural carioca, apenas para que imaginem, cercando meu hostel, tenho um café livraria, um shopping com Starbuck´s, duas livrarias Saraiva, milhares de botequins, uns dois teatros, o Canecão, a escola de dança de Carlinhos de Jesus, vários sebos e uns dois ou três cinemas (cada um com várias salas). Um miscelânea infinita de opções.

E como é público, geral e notório eu sou gamada por cinema. Nas últimas semanas em casa (latu sensu) as únicas opções que chegavam eram blockbusters direcionados às crianças e aos adolescentes. Quase nada para o público adulto e quando chegava a qualidade era contestável.

O cine do shopping acostumou-se por ocupar 4 de suas 5 salas nos últimos meses apenas com super herois, magos, desenhos e a mais nova febre: versões cinematográficas de clássicos dos desenhos animados.

Não é que eu não goste, eu adorei Wolverine (nada haver com Hugh Jackman quase despido...) ...mas só isso? todo sábado e domingo a mesma coisa...

Daí as opções em cartaz por aqui me parecem um paraíso. Estou mais feliz que os adolescentes ao assistirem o novo Harry Potter, tem filmes nacionais fora do grande circuito, tem filmes estrangeiros (os de Hollywood não podem se enquadram nessa categoria...), filmes conceito, curtas, clássicos, e of course os blockbusters....

Minha opção recaiu num cine que fica à um quarteirão daqui. O lugar por si só é um charme. Chama-se Estação. Tem livraria dedicada às artes. Um café cheio de quitutes, onde se pode comprar a básica e essencial pipoca e ainda tomar um café com cockies. Os lugares são marcados. Você compra seu ingresso e escolhe o lugar que quer sentar.

Fora que pode correr o risco de tomar café com algum cineasta (tem cursos de cinema no andar de cima), ou algum artista, já que eles sempre estão por ali...eu mesma já vi alguns....mas agi como se fosse parte daquele universo...

Minha escolha recaiu sobre um filme uruguaio (quando foi que o Shopping Manaíra trouxe um filme uruguaio, mesmo premiadíssimo para suas salas?) chamado "O Gigante", que já soube foi a estréia do diretor Adrian Benier, arrematando um bocado de prêmios por onde passou.

Escolhi pelos prémios, pelo tom excêntrico da origem e do enredo e por não querer assistir a comédia "Se beber não case" em cartaz na outra sala. Conta a estória de um segurança de supermercado, chamado Jara (atuação marcante e delicada do ator argentino Horácio Comandule), que apaixona-se por meio das câmeras do circuito interno pela faxineira Julia (Leona Svarcas).

Tímido que só ele, passa a seguir a moça, no trabalho, por meio das câmeras, e em sua vida cotidiana. Onde ela vai, alguns passos atrás está Jara. E ele faz isso sem interferir na vida e nas escolhas da moça. Inclusive acompanha-a num encontro romântico (que felizmente não teve continuidade). Nesses caminhos passa a, sem que ela saiba, protegê-la de tudo e de todos. Como um anjo da guarda. Com quase 2 metros de altura e uma pança enorme.

No curso de filme você esquece a pança dele e começa a pensar nos lindos olhos azuis, na feiçao doce e no coração de ouro que por várias vezes ele demonstra ter. Um verdadeiro gentleman.

É um filme com pouquíssimos dialógos. Quase não se conversa nele. As mensagens vêm da câmera. Das feições dos atores. Da música (tem até uma versão de Eyes of Tiger...). O filtro meio azulado da câmera nos dá a sensação de está espionando Jara e Julia, também clandestinamente.

Alie-se a isso que o filme mescla muito bem esse tom de crônica do cotidiano, romance com momentos de pura comédia. Enfim uma miscelânea de resultados numa película marcada por um enredo absurdamente simples e encaixado. Lição de cinema.

Um romance grandioso dentro do universo das pessoas comuns. Faz você pensar que qualquer pessoa poderia estrelar uma estória daquele tipo. Um alívio dentro de um universo onde até a Jennifer Aniston está se dando mal.

Encerrada sessão, eu e meu pacote de pipoca "meado" saímos da sala de projeção. Antes de ir embora rumo ao hostel, não resisti e eu dou uma olhadinha para a câmera de segurança, afinal, do lado de lá pode está o "Jara" para chamar de meu....

Uma tarde no Museu

Milton. Hoje eu vou falar sobre Milton. Um homem que conheci na tarde de hoje. Interessantíssimo. Nosso encontro foi marcado por tanta riqueza, em vários aspectos, que posso dizer Milton é um homem inesquecível. E que merece ser tornado público, exatamente por isso, por ser inolvidable, unforgetable.

E não me perguntem o endereço dele, nem seu telefone, ou nesses tempos mais tecnológicos seu e-mail ou twitter. Não interessa. Definitivamente não interessa.

Os planos sabáticos eram um passeio ao Pão de Açucar, perfazendo uma trilha bem fácil que eu conheci tempos atrás, noutra viagem à Terra Maravilhosa, antecedido por alguns minutos na Praia Vermelha, duas das principais atrações do charmosíssimo Bairro da Urca.


O Bairro da Urca é sem duvida um dos lugares mais bonitos do Rio de Janeiro, muito verde, cheio de prédios históricos, tem ares de Brasil colonial, dos casarões da "Marquesa de Santos" ou de "Dona Beija" (olha aí mais uma referência à mulher da vida inventada), lugar calmo e por ser área fortemente militar, muito seguro.

Baixando do ônibus em frente ao Instituto Benjamin Constant (quando ando de ônibus no Rio e acerto o rumo, fico me achando a própria guia), sigo em direcão aos morros onde estão instalados o famoso bondinho.

Na caminhada pela belíssima rua que conduz ao meu objetivo, deparei-me com um prédio maravilhoso, digno de ser o Palácio de Dom Pedro, onde se lia: Museu da História Natural do DNPM - Departamento Nacional da Propriedade Mineral, órgao que por várias razões é meu velho conhecido.
Pedras, DNPM, paleontologia, um pouco de ciência não faz mal a ninguém, nem a uma pessoa sabática, ou como dizem alguns, "sarabática"...so, porque não?

Mudança de planos.

Lá estava eu no bendito museu, ao meio de fósseis, esculturas de dinossauros e esquemas com a estória da Terra. Até então programinha basicamente educativo, bom, mas bitolado, totalmente standart.

Ao encerrar a parte dos dinossauros e da estória do planeta, tudo isso sem guia, só com uma vigia, que nem falava comigo, nem me deixava só (já pensou eu furtasse uma coxa de dinossauro para fazer sopa?), somos gentilmente (?) conduzidos, pelas setas na parede, à sala dos minerais.

O setor inicia com uma apresentação do extrativismo do petróleo no País, donde meus fantasmas aparecem para me lembrar de um guapíssimo amigo que trabalha na Petrobrás, no Rio Grande do Norte. Como era bom dançar com ele e como eram engraçadas nossas conversas que pareciam nunca engrenar. A gente simplesmente não entrava na sintonia e mesmo assim gostava de conversar horas a fio.

Pausa para foto da amostra de petróleo da base onde ele trabalha, quem sabe assim, me perdoe não ter dedicado a ele o tempo merecido para me despedir. Para esse amigo, a despedida foi por e-mail.

Tristíssimo. Tomara que compreenda e perdoe, pois que eu ERA uma garota SEM TEMPO.

Mas onde está o bendito Milton? falei tanto nele e até agora nada...parece até aqueles programas insuportáveis que ficam empurrando você para o bloco seguinte...sempre e nunca chega a anunciada atracão.

Milton está logo ali...na sala seguinte, um imenso salão cheio de armários com mostruários de centenas, ou melhor milhares, de minerais, invisível.

Quando eu cheguei não havia ninguém na sala (só Milton, que como eu disse estava invisível) e eu comecei a explorá-lá sozinha.

Olhar as pedras me remete minha mesa de trabalho, cheia delas, trazidas dos lugares onde fui, bem como presenteadas por amigos especiais (tem uma vulcânica de Fernando de Noronha que eu amo). Assim, eu estava verdadeiramente perdida naquela multidão de pedras...

Pedras não...minerais, pois nem todos os minerais são pedras...têm sais, tem pó, tem líquidos, tem argila...

Mas confesso, eu estava resoluta na busca de um específico mineral, que um dos meus fantasmas lembrou: BENTONITA.

Parecia até achar uma agulha num palheiro, ainda mais quando meus conhecimentos sobre mineralogia são ínfimos, de modo que era especialmente difícil em meio a tantas classificacões científicas, sequer imaginar onde poderia estar meu objeto de desejo eu conseguia. Daí não espantem eu ter procurado bentonita ao lado do ouro, do quartzo, dos sais, da mica, do feldspato, da dolomita...

Mas não era uma busca tediosa, você não acha a bentonita, mas acha a Ágata que certa vez você presenteou alguém querido, ou um quartzo que lembra as andanças na Chapada Diamantina, ou a mica que cortou seu moletom no Caminho da Luz (MG), acha o sal que tempera sua comida, o ouro, a prata, mas nada da valiosíssima bentonita (para justificar tanta procura tinha que ser mesmo muito valiosa...), tanto quanto a turmalina paraíba que eu também não achei por lá não...

Pois enquanto eu me perdia nas trucentas milhares de amostras de pedras, eis que me surge quem? Milton, ou melhor Seu Milton. O homem do setor de minerais do museu das pedras. O rei daquela ala. Sem dúvida.

Seu Milton é uma figura singular, o zelador daquele setor, trabalha lá há 9 anos (mesmo trocando as empresas de terceirizacão do serviço ele sempre tem contrato garantido pois faz seu serviço bem feito), fato que conta com um evidente orgulho.

Me vendo só, se aproximou para oferecer ajuda e acabou por ser minha companhia para uma conversa que para uma mulher sem relógio deve ter durado um par de horas. Só eu e ele no museu, em meio as pedras, ou melhor aos minerais....

Contou-me toda sua estória de vida, como criou os quatro filhos, de seus netos que querem brincar de jogar bola e de cavalinho, ignorando seus 75 anos de idade. A morte da esposa após longos 30 anos de casamento, a catarata e o glaucoma que fecham um de seus olhos, e o medo da cirurgia para tratar dessas doenças, os mal humor de sua nova esposa envolta com as agruras da osteoporose e do porquê, mesmo sendo aposentado pela Prefeitura do Rio de Janeiro (era arquivista) ainda precisa trabalhar para ter seu sustento e especialmente ajudar no sustento dos filhos (todos estão encaminhados, mas uma ajudinha extra do papai é sempre bem vinda...).


Contou que é Portelense e que Natal da Portela (famoso bicheiro carioca) o ajudou por diversas vezes e que o dito era bom para a comunidade, e mesmo não sendo um homem da Lei não era simpático ao negócio e às práticas dos traficantes....

Enfim, haja estória, quanto mais ele falava, mais eu perguntava e o danado não se cansava de contar seus causos, isso sem perder a elegância de segurar flanela e vassoura numa mão, balde noutra, tudo com um fardamento impecavelmente limpo e uma postura de fazer inveja a muito recruta...

Pois sim, durante várias oportunidades Ele chorou, eu marejei. De repende o museu era ele, eu estava aprendendo mais com aquele senhor que com qualquer cartaz falando sobre a Pangéia (que me perdoem os paleontólogos) ou as estatísticas do extrativismo mineral brasileiro (interessantíssimo por sinal)...

Conversamos um tempão, certamente mais de hora. Juntos achamos a bentonita, que eu fiz questão de contar o porquê do meu imenso interesse e a possível estória de quem havia doado aquela amostra ao museu (família Dantas de Campina Grande), contei que a cidade de Souza, onde tem as pegadas de dinossauro retratadas na parede do museu é na Minha Terra e que a pedra mais valiosa do mundo também fica lá, mas que eu nunca tinha visto uma e que no museu também não havia amostra (a turmalina paraíba)...enfim, eu aprendi muito e ele deve ter aprendido comigo alguma coisa também...

Nos despedimos respeitosamente como velhos amigos que talvez nunca mais se vejam, mas que apreciaram a companhia um do outro. Ele seguiu seu caminho e eu o meu.

Daí a questão que me absorveu (e até agora absorve...) após a saída do museu e retomada do plano de ir a trilha do Pão de Açúcar foi a seguinte:

....e se existissem Museus de Pessoas?

Não digo desses museus em homenagem a Fulano ou Beltrano, mas um museu onde a gente pudesse conhecer pessoas como Seu Milton, ou tantas outras, que nós comumente denominamos de Grandes Figuras.

Gente interessante, ou por ter boa prosa, ou por ser exótico, ou por ter ideias revolucionárias, ou por ter uma personalidade peculiar, enfim, pessoas interessantes...gente que a humanidade deveria ter a chance de conhecer, mas que nem sempre estarão sob os holofotes, como o nosso Presidente Lula, ou Michael Jackson ou Che Guevara, pois esses são muito fáceis de serem acessados (por sinal em breve teremos o filme sobre Lula).

Eu falo das pessoas comuns incomuns, como Seu Milton, e como estou no Rio de Janeiro, o dono de um albergue bicho-grilo multilingue metido a filósofo, ou seu hóspede que brigou com a esposa e foi morar no albergue e não queria mais voltar (esclareça-se ele queria voltar com a esposa, mas não queria deixar o albergue), ou o guia que passa 10 dias com você sem trocar duas frases e quando você vai embora por e-mail se derrama em prosas, tornando vocês grandes amigos, ou a garçonete que vive hoje com o dinheiro que talvez ganhe amanhã e nem se estressa com isso...tanta gente interessante que o Rio de Janeiro me apresentou e tantas outras que eu adoraria ser apresentada...

Nos museus espalhados pelo mundo afora, os organizadores normalmente contextualizam o tema, fazendo muitas vezes cenários, como o quarto de Napoleão, ou o laboratório do paleontólogo...no meu Museu de Gente, a estrutura seria a mesma; cada pessoa estaria posta em um lugar onde ficasse absolutamente à vontade, e a gente da mesma forma que faz com os quadros, com os fósseis, com os vídeos, simplesmente chegaria em seus nichos só que para conversar com elas...

O problema é que talvez as visitas ao meu museu demorassem horas ou até dias (ia ter cliente querendo se hospedar no museu e marca de cerveja patrocinando a obra) ...e ainda teria um grande diferencial, diferentemente dos museus comuns, não haveria aqueles avisos de - Não toque - Não fotografe - Não filme - os visitantes DEVERIAM tocar, fotografar e filmar as personagens, exatamente como eu fiz hoje ao me despedir de Seu Milton, naquele que segundo ele mesmo é seu melhor nicho - O Setor dos Minerais do Museu do DNPM (Departamento Nacional de Pesquisa Mineral), dei-lhe um grande abraço, acompanhado de um sincero: Muito obrigada.

...E mais uma vez, Mrs. Gilbert mostra sapiência em seus conselhos, quando menciona que devemos nos abrir aos professores que a jornada apresenta, e que eles aparecem nos lugares mais inesperados...Certíssima a autora. Afinal, que grande professor eu conheci hoje....

E você? Quem você colocaria num Museu de Gente?

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

...algumas coisas não têm preço, mas para a conta do celular....

Sabe aquela clássica piada da Sharon Stone na ilha deserta? Se não sabe, você está precisando sair e conversar mais com pessoas divertidas, pois é muito antiga e TODO MUNDO que tenha o mínimo de vida social sabe....

Esse é o meu tema de hoje. Quase que por opção própria, passei o dia sozinha (de fato o telefone não tocou e eu não tive que expressar essa minha vontade).

Mas será que eu estava mesmo sozinha? Creio que não...como passei a noite fora- olha a vida inventada de Maitê Proença aparecendo - e só voltei para dormir às oito da matina, meu dia começou às...15 horas da tarde...

Antes que pensem que meu roteiro foi melhor que o que foi de fato (como se eu me importasse com isso), eu estava de fato no albuergue que eu adoro ficar e que adoram que eu fique por lá...fui visitá-los (a duas quadras de onde estou) e fui ficando, ficando, ficando, ficando...até que era muito tarde para voltar...assim, acabei sendo visitante, hóspede, funcionária até o amanhecer. Descumpri todas as regras absolutas do Rei.

Esclarecida a questão, tinha uns compromissos pré-agendados, mas adorei que eles não se consumaram, de modo que às 18 horas eu estava comendo as minhas maravilhosas rúculas...nem sei se estava jantando ou almoçando...(outro detalhe é que eu simplesmente não estou usando mais relógio)...

E o que tem isso com a conta do celular, com minha jornada solitária, com Sharon Stone e com minha vontade de ficar sozinha...

É que de fato, eu não fiquei UM SÓ MINUTO sozinha, pois minhas raízes brotaram com tamanha força, que passei o tempo todo acompanhada por todo o staff que tanta falta me faz...

Apareceu alguém cujo melhor programa do mundo é ir fazer compras. Como entrar no shopping, numa loja daquelas bem descoladas e não pensar nela, não imaginar o quanto ela me irritaria com suas dúvidas, provando, provando, provando...ainda mais com a loja, linda, em liquidação....

Essa mesma criatura, invadiu meu passeio noutra ocasião, quando vi uma MARAVILHOSA bolsa de notebook, num preço convidativo, exatamente o que ela estava procurando...aí eu não resisti..liga, liga, liga, liga...ainda tirei fotos da bendita bolsa e ofereci mandar pelo correio...

Deixei ela de lado, pois meu propósito é ficar sozinha comigo mesma, tenho que me analisar, me perceber, e fui para um dos meus prazeres mais plenos: cafeterias, ainda mais se for a Starbuck´s.

Podem falar tudo, que é mídia, que é Carrie em Sex and the City, que é o copo charmoso, o preço altíssimo, mas o fato é que Starbuck´s é Starbuck´s....

Sentei com meu mocha cremoso e o biscoitos, abri meu livro e comecei a leitura...e não é que mais um fantasma aparece...Como eu posso fazer isso sem compartilhar com meu parceiro de café? Parecia traição de primeiro grau...crime com alto grau de periculosidade....

Lia uma linha do livro, mandava uma mensagem, lia outra, imaginava qual tipo ele ia preferir, e não é que do nada recebo uma mensagem dele, parece que tava advinhando minha peraltiçe, imaginava que obviamente iria beber do dele e do meu, que iriam botar a gente para fora pois o café fecharia e a conversa ainda estava engrenada...então: liga, liga, liga, liga...

Continuando meu passeio, que agora mais parecia uma excursão, vez que eu estava acompanhada de uma multidão...veio o pensamento, claro que minha mainha queria saber que eu estava me divertindo muito sozinha, então: liga, liga, liga, liga, e minha fulana, beltrana, cicrana...

Até meu chefe veio me visitar, pediu e ganhou uma foto de seu clube futebolístico preferido que tem sedo no específico lugar onde início essa estranha jornada solitária...

Meus futuros melhores amigos, claro que me lembrei deles também, mas como é caro (e para minha saúde financeira eu não sei o telefone deles), me acompanhei deles ao procurar algo que os agradaria...tenho certeza que ficaram o tempo todo dando dicas do que queriam...

Meu Carmelendo, que nunca foi de ficar invisível, também apareceu já que minha tentativa de ser solitária foi num lugar que ele ADORA, shopping center, cheio de bens de consumo lindos e à disposição...então é claro, também ele ganhou uma msg...

Enfim, como é dificil ser sozinha, quando a gente não é sozinha.

Pensando bem, ainda bem que eu não sou sozinha. Esse povo todo, com seus poderes psiquícos (induzem a pessoa a telefonar, mandar mensagem, querer teletransportá-los para junto), podem me atrapalhar à vontade...até porque algumas coisas não tem prêço, como por exemplo compartilhar um sonho (e as agruras desse sonho) com quem a gente ama, e para outras....tomara que meu Visa aguente...

ps: se não entendeu qual a relação do texto com a piada de Sharon Stone, melhor pensar mais um pouquinho...porque é uma verdade óbvia...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A diferença entre não fazer nada e fazer nada...



Acordar quando não se tem mais sono (ainda bem que 30 minutos antes do fim do café da manhã do hostal), voltar para o quarto, pensar no que fazer e simplesmente desistir de fazer isso...para quê tanto apêgo às programações? se eu fugi dos compromissos, porque buscá-los agora como norte do meu dia?

Os últimos meses foram marcados por inúmeras e quase insuperáveis listas de "things to do", coisas que deveriam ser feitas para que essa viagem se concretizasse...alí estavam incluídos todos os tipos de obrigações, pessoais, fiscais, jurídicas, contratuais, telefonemas a fazer, telefones a cortar (uma hora e meia com a Claro me explicando que eu deveria manter a linha pós paga para não perder as promoções, mesmo com previsão de estar fora do País por no mínimo 7 meses...

Passei a conviver com as famigeradas listas, acordava já olhando o que tinha para fazer, qual a ordem mais lógica, rápida e conveniente de cumprí-las, o que só eu poderia fazer, o que poderia ser feito pelo Carmelengo (ou melhor dizendo Anjo da Guarda, Fiel Escudeiro)...

Pois bem, para que pensar no que fazer e assim não se permitir FAZER NADA, esperar que o que eu vou fazer simplesmente aconteça?

Em tese até que é fácil partir para o não fazer nada...digo isso em tese...pois quando menos me apercebo, já estou eu com uma lista de "things to do" coisinha que devem ser compradas, feitas, telefonemas a serem dados....


Dá até para pensar como é difícil entrar na vibe dessa vida fácil, mas eu tenho certeza que chegarei lá. Hoje dormi quando tive sono, almocei quando deu fome, simplesmente me abri para o inesperado...como uma deliciosa casa de saladas onde eu pude colocar toda a rúcula do mundo e um longo papo sobre filosofia, com meu amigo bicho grilo mais cheio de teorias sobre todas as coisas do mundo. Tem hora que eu fico apenas ouvindo, ou porque não entendo, ou porque me distraio, mas na grande maioria das vezes porque o que ele diz faz sentido.

Prá que me preocupar com o que fazer, se o simples caminhar pelas ruas, vendo as pessoas, olhando a paisagem, já nos dá tanto prazer? Claro que eu quero ver os filmes do cinema na esquina (todos os três), quero voltar na Salad Creations (todos os dias) e me empanturrar de rúcula e molho do mostarda, tomar café na Starbuck´s, tendo tempo para ler o livro que comprei, imaginar o novo mundo que está por vir e ...sim e curtir cada minuto desse sabático.


Uma questão me veio a mente, isso depois de horas de filosofia com um velho amigo carioca, que dedicou valiosas horas de seu tempo para conversar sobre Alexandre, o Grande, Diógenes, usos e costumes sociais (nunca mais direi que comprei cacarecos de mulher...), em especial sobre a capacidade de um homem fazer diferença para o mundo...

Será que o título do blog conduz a idéia que o livro de Mrs. Gilbert impulsionou minha viagem...?

A resposta é sim e não. Sim, o título realmente induz a essa conclusão. E não, o livro não tem nada a ver com meu sabático. Apenas, seu texto, por muitos criticado e por milhões amado, desenhou muito bem o que se passava em minha cabeça, isso de uma forma divertida, leve, quase uma novela global ou uma comédia românticas, que muitos dizem detestar, mas são imbatíveis em vendas de ingressos e audiência...

A semente foi de fato plantanda em Praia de Pipa, anos atrás, com um charmoso backpacker que me mostrou as sandálias mais feias e maravilhosas do planeta: crocks, e quê, da amizade travada, me permitiu acompanhar seu sabático, a quantidade de experiencias colhidas, as amizades travadas, seu encontro consigo mesmo...isso em meses de pura perambulação pelo continente sulamericano.

Meu querido, muito obrigada.

Mas a idéia ainda era disforme, precisa de um molde, para que eu soubesse exatamente o porque da minha inquietude. Algo mais ou menos como Mrs. Gilbert no inicio de seu livro: o que me aborrece tanto? porque tanta impaciência com a vida?

Até porque reconheço que tive uma vida feliz, marcada por grandes e fieis amigos, uma mãe fabulosa, um grande amor, dinheiro suficiente para viver fazendo e comendo as coisas que gosto, filhos do coração aos montes, uma carreira ascendente...mas a inquietação não passava...

A correria era tanta e a curiosidade pelo mundo também, que de fato deparei-me vivendo literalmente em função das próximas férias, e que férias...Rio de Janeiro, Peru, Buenos Aires, Pipa, Chapada, Europa, Minas Gerais, Vitória...afff, eu andei mesmo...algumas vezes no sentido literal...

Até que, numa banca paulistana (mais uma viagem) tropecei num título sugestivo: Fuja por um Ano...da editora Publifolha...e não é que a leitura da obra trouxe à minha mente o desejo do que eu queria fazer e não sabia ao certo expressar: uma experiencia sabática.


Esse livro eu não li...devorei...sabia cada capítulo, desde o que você tem que planejar, até as coisas que você pode fazer, seus ganhos e suas perdas, acho que com esse guia eu estava mais parecendo um perdido no deserto que encontra comida...

Estava pois desenhado meu projeto, o destino após algumas, e não foram muitas procuras, também não foi difícil, inclusive, eu já havia comprado num passado recente um guia (e o segredo do presente de aniversário repetido desvendou-se) daquele local, consultado várias vezes uma conselheira para intercambio...até que do nada, brota em meu escritório, um velho amigo de infância, com que eu tinha perdido contato há anos e pergunta: o quê você acha de eu largar tudo (no caso dele emprego, carro e familia) e ir morar na Austrália?

Parecia que em todo canto que eu ia tropeçava em alguma referencia aquele País.

A resposta esperada de um profissional ponderado seria: não vai não, você está bem no emprego, não tem grana guardada, tira férias, esfria a cabeça, blá, blá, blá...meu piloto automático foi mais rápido, olhou para o guia novinho que estava na estante (hoje ele pertence a alguém muito especial, que comunga comigo do prazer de viajar, já que o outro que ganhei no aniversário, mais pela fonte que por qualquer outra coisa, está costurado em mim, me acompanhando sempre) e puxou na memória ram os e-mails com a conselheira...a resposta não poderia ser outra: Vai!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Acho que de fato eu estava respondendo a mim mesma...o fato é que esse amigo foi e agora a gente vai se reencontrar lá na Terra dos Cangurus, no minha fuga por um ano...seremos roommates ou na fala deles flatmates.

Assim, fechando o círculo, o livro homenageado no título do blog, veio apenas a ilustrar uma experiencia semelhante ao que desejo ter um encontro íntimo, pessoal e intransférivel, comigo mesma...o que de fato foi o que Mrs. Gilbert também foi procurar em sua peregrinação...


segunda-feira, 24 de agosto de 2009





'"Se você tem a coragem de deixar para trás tudo que lhe é familiar e confortável (pode ser qualquer coisa, desde a sua casa aos seus antigos ressentimentos" e embarcar numa jornada em busca da verdade (para dentro e para fora), e se você tem mesmo a vontade de considerar tudo que acontece nessa jornada como uma pista, e se você aceitar cada um que encontre como professor, e se estiver preparada, acima de tudo, para encarar (e perdoar) algumas realidades bem difíceis sobre você mesma...então a verdade, não lhe será negada." (Elizabeth Gilbert)


O texto acima está na contracapa do livro "Comer, rezar e amar" obra que inspirou o nome de batismo desse blog. Ele representa muito claramente o objetivo dessa viagem: um encontro comigo mesma, ter tempo para ter tempo, aprender e melhorar.

Não esperem que esse seja um espaço de desabafos, ou uma narrativa fiel da minha jornada, afinal ela e íntima, pessoal e intranferível. Afinal certas coisas somente a mim pertencem, e eu não vou transformar um espaço público num divã no ciber espaço.

Poderia até dizer que junto com o Comer, rezar e... também me inspiro no "Uma vida inventada" de Maite Proenca (presente de uma amiga que eu amo muito), onde realidade e ficção se misturam em doses medidas, tornando o livro ainda mais interessante de ser lido.
Além das estórias lá contidas, ficamos a nos questionar? Nessa parte, ela está falando a verdade ou não, ou será esta a vida inventada?

Hoje a questão do dia foi - Como podem férias de luxo (deixar os empregos, os amigos, a familia, os amores, os bens materiais e o conforto) doer tanto?

Esse foi o tema desse primeiro dia de jornada. Meu útlimo dia em casa (lato sensu) foi marcado pela melancolia. Cheguei ao escritório cedinho, para os arremates finais, fechar pastas, fechar contratos, fechar encaminhamentos, fechar back up's, e por fim fechar as portas...

Foi dolorosamente estranho passar a chave naquele que era meu mundinho particular, lugar que eu aprendi a gostar, que após uma breve (para não dizer brevíssima) fase de negação, se tornou meu lugar preferido, tanto que investi muito dinheiro e TEMPO (coisa que não tinha) deixando ele ao meu gosto.

Sala dedicada ao cinema, com as divas, cadeiras de estilo, biblioteca sobre filmes e atores, um tapete feito sob encomenda da forma que eu imaginei. Vermelho, of course.

Ali era o lugar do prazer, onde o objetivo era ser simplesmente bonito e representar meu amor pela sétima arte.

A segunda sala dediquei ao meu espírito mundano, cheia de mapas, inclusive um antigo, sendo também minha estacão de trabalho, ali passei as horas de trabalho mais duras dos últimos anos.

Minha vida passou a reger por um risque rabisque onde meia folha era um calendário, com os compromissos, e o outro lado, uma lista de coisas para fazer que nunca acabava...

O bom foi que nesse sábado, joguei a lista mais recente, completamente riscada (o que significava tarefa cumprida), junto com suas irmanzinhas (as listas anteriores)...enfim, cumpri meu objetivo e por outro lado aprendi que posso me organizar, mesmo que seja na pressão.

A última sala devia ser um espaço para o estudo, já que a biblioteca "Patricia Freitas" está lá, mas acabou se tornando o espaço do prazer. Muitos foram os cafés, depois substituídos por chás, sandubas, chocolates, que tiveram seu ocorrer naquele local.

Lá, a poltrona simplesmente reina e todo mundo gostava de ir para lá, tomar um chá, um café e ficar simplesmente conversando, antes ou depois do trabalho e as vezes até durante o mesmo.

Essa sala eu dediquei aos gatos, minha terceira paixão...montes deles, seja nos quadros de Flavio Tavares, nas miniaturas que trouxe das viagens e das que ganhei, no calendário do ano que vem e no dos anos passados...os bichanos estão por toda parte...dá até para imaginar os miados...

Pois bem, ontem foi o dia de fechar as portas, ainda bem que nada precisou ser empacotado, esse mundo não foi extinto numa tsunami, nem hecatombe, eu simplesmente criei e sai dele, mantendo-o intacto...muito melhor assim...

Seguiram-se então um sequência intensa de encontros e desencontros, como diz Miss Gilbert, a partida é um ato de coragem, e incrivelmente dolorido, você sente pelo que deixa, principalmente quando o que vc tem a deixar é precioso, afinal - toda ausência é atrevida - como me disse um grande e algumas vezes inconveniente, amigo.

Doí por não se sentir justa com as pessoas que ficam e sofrem com sua ida, pois até essas tiveram que me apoiar, dizer que ia ser bom, que se não gostar volte e tudo continuaria como antes, quando poderiam simplesmente dizer a verdade: você estaá indo porque quer, não queira ser vitima, pois não será.

De todo modo, ainda bem que a humanidade tem salvação e mesmo no meu caso, até aqueles que mais sentiram a minha ida, cuidaram de mim em todos os aspectos, o que tornou a hora da ida pior ainda...

Mesmo minhas palavras mostrando tristeza, e das grandes, não sinto arrependimento algum, essa dor está me parecendo um tempero de uma comida que eu ainda não comi e por isso mesmo estou estranhando o sabor...mas tenho a intuição que vou gostar...

Eu não nasci gostando de rúcula e hoje salivo só em pensar nela, ainda mais se tiver acompanhada de azeitonas, so, esta é a situação, a dor que acompanha o ato de partir, "de deixar tudo para trás que lhe 'é familiar e confortável" está acompanhada da realização de um sonho, que se inicia no local mais bonito do nosso Pais: o Rio de Janeiro.

Como o vôo foi só de choro e tristeza, óbvio que chegar no hostel não foi motivo de festa...o transfer não foi buscar, dai 30 reais de prejuízo (na diferença do táxi) e dois lances de escada para atingir meu quarto, isso com 50 kilos de bagagem...

O resto do dia passei fazendo o que os deprimidos melhor fazem: dormir, dormir o dia todo, inteirinho, tanto que esse texto esta sendo escrito por alguém totalmente desperto de madrugada, aproveitando o wireless do hostel e aprendendo, na marra a usar o netbook, utilissimo e inutilizado no passado, frente a potencia do outro computador, sempre preferido, mesmo sendo maior, mais pesado...

Até o netbook é um encontro com o novo, já que não sei usá-lo muito bem, outra linguagem, ousei instalando o linux (os acentos que o digam), mas a agilidade, a leveza, e porque não falar o estilo, já me conquistaram, estou deitada na cama, aproveitando de meu nanicobook...que não pesa nem 1 kilo...maravilha...

E como o objetivo dessa viagem não é testar os limites de minha saudade, nem do meu amor por ninguém, óbvio que ja dei uma arrodeada pelos cantos, vi o que passava no cinema, agendei um compromisso e estou me abrindo ao novo...com tudo de bom e de ruim que vem junto com ele.

Das coisas boas, minha viagem já fez com que gente que não mexia com computador, aprendesse a usar e-mails, com que outros refletissem o quanto pessoas podem ser importantes e transformadoras nas vidas de outros, me fez notar que a gente junta muito cacareco na vida, e que realmente e que gente se torna mesmo responsável por quem cativa, pois a parte mais dura da ida não foi o que deixei, e veja que eu deixei muita coisa que a sociedade reputa valioso, mas quem eu deixei...

Agora me cabe a pergunta, que encerra esse meu primeiro dia de sabático: eu sei quem eu deixei, mas e agora? quem e o que será que eu vou encontrar?