quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Uma tarde no Museu

Milton. Hoje eu vou falar sobre Milton. Um homem que conheci na tarde de hoje. Interessantíssimo. Nosso encontro foi marcado por tanta riqueza, em vários aspectos, que posso dizer Milton é um homem inesquecível. E que merece ser tornado público, exatamente por isso, por ser inolvidable, unforgetable.

E não me perguntem o endereço dele, nem seu telefone, ou nesses tempos mais tecnológicos seu e-mail ou twitter. Não interessa. Definitivamente não interessa.

Os planos sabáticos eram um passeio ao Pão de Açucar, perfazendo uma trilha bem fácil que eu conheci tempos atrás, noutra viagem à Terra Maravilhosa, antecedido por alguns minutos na Praia Vermelha, duas das principais atrações do charmosíssimo Bairro da Urca.


O Bairro da Urca é sem duvida um dos lugares mais bonitos do Rio de Janeiro, muito verde, cheio de prédios históricos, tem ares de Brasil colonial, dos casarões da "Marquesa de Santos" ou de "Dona Beija" (olha aí mais uma referência à mulher da vida inventada), lugar calmo e por ser área fortemente militar, muito seguro.

Baixando do ônibus em frente ao Instituto Benjamin Constant (quando ando de ônibus no Rio e acerto o rumo, fico me achando a própria guia), sigo em direcão aos morros onde estão instalados o famoso bondinho.

Na caminhada pela belíssima rua que conduz ao meu objetivo, deparei-me com um prédio maravilhoso, digno de ser o Palácio de Dom Pedro, onde se lia: Museu da História Natural do DNPM - Departamento Nacional da Propriedade Mineral, órgao que por várias razões é meu velho conhecido.
Pedras, DNPM, paleontologia, um pouco de ciência não faz mal a ninguém, nem a uma pessoa sabática, ou como dizem alguns, "sarabática"...so, porque não?

Mudança de planos.

Lá estava eu no bendito museu, ao meio de fósseis, esculturas de dinossauros e esquemas com a estória da Terra. Até então programinha basicamente educativo, bom, mas bitolado, totalmente standart.

Ao encerrar a parte dos dinossauros e da estória do planeta, tudo isso sem guia, só com uma vigia, que nem falava comigo, nem me deixava só (já pensou eu furtasse uma coxa de dinossauro para fazer sopa?), somos gentilmente (?) conduzidos, pelas setas na parede, à sala dos minerais.

O setor inicia com uma apresentação do extrativismo do petróleo no País, donde meus fantasmas aparecem para me lembrar de um guapíssimo amigo que trabalha na Petrobrás, no Rio Grande do Norte. Como era bom dançar com ele e como eram engraçadas nossas conversas que pareciam nunca engrenar. A gente simplesmente não entrava na sintonia e mesmo assim gostava de conversar horas a fio.

Pausa para foto da amostra de petróleo da base onde ele trabalha, quem sabe assim, me perdoe não ter dedicado a ele o tempo merecido para me despedir. Para esse amigo, a despedida foi por e-mail.

Tristíssimo. Tomara que compreenda e perdoe, pois que eu ERA uma garota SEM TEMPO.

Mas onde está o bendito Milton? falei tanto nele e até agora nada...parece até aqueles programas insuportáveis que ficam empurrando você para o bloco seguinte...sempre e nunca chega a anunciada atracão.

Milton está logo ali...na sala seguinte, um imenso salão cheio de armários com mostruários de centenas, ou melhor milhares, de minerais, invisível.

Quando eu cheguei não havia ninguém na sala (só Milton, que como eu disse estava invisível) e eu comecei a explorá-lá sozinha.

Olhar as pedras me remete minha mesa de trabalho, cheia delas, trazidas dos lugares onde fui, bem como presenteadas por amigos especiais (tem uma vulcânica de Fernando de Noronha que eu amo). Assim, eu estava verdadeiramente perdida naquela multidão de pedras...

Pedras não...minerais, pois nem todos os minerais são pedras...têm sais, tem pó, tem líquidos, tem argila...

Mas confesso, eu estava resoluta na busca de um específico mineral, que um dos meus fantasmas lembrou: BENTONITA.

Parecia até achar uma agulha num palheiro, ainda mais quando meus conhecimentos sobre mineralogia são ínfimos, de modo que era especialmente difícil em meio a tantas classificacões científicas, sequer imaginar onde poderia estar meu objeto de desejo eu conseguia. Daí não espantem eu ter procurado bentonita ao lado do ouro, do quartzo, dos sais, da mica, do feldspato, da dolomita...

Mas não era uma busca tediosa, você não acha a bentonita, mas acha a Ágata que certa vez você presenteou alguém querido, ou um quartzo que lembra as andanças na Chapada Diamantina, ou a mica que cortou seu moletom no Caminho da Luz (MG), acha o sal que tempera sua comida, o ouro, a prata, mas nada da valiosíssima bentonita (para justificar tanta procura tinha que ser mesmo muito valiosa...), tanto quanto a turmalina paraíba que eu também não achei por lá não...

Pois enquanto eu me perdia nas trucentas milhares de amostras de pedras, eis que me surge quem? Milton, ou melhor Seu Milton. O homem do setor de minerais do museu das pedras. O rei daquela ala. Sem dúvida.

Seu Milton é uma figura singular, o zelador daquele setor, trabalha lá há 9 anos (mesmo trocando as empresas de terceirizacão do serviço ele sempre tem contrato garantido pois faz seu serviço bem feito), fato que conta com um evidente orgulho.

Me vendo só, se aproximou para oferecer ajuda e acabou por ser minha companhia para uma conversa que para uma mulher sem relógio deve ter durado um par de horas. Só eu e ele no museu, em meio as pedras, ou melhor aos minerais....

Contou-me toda sua estória de vida, como criou os quatro filhos, de seus netos que querem brincar de jogar bola e de cavalinho, ignorando seus 75 anos de idade. A morte da esposa após longos 30 anos de casamento, a catarata e o glaucoma que fecham um de seus olhos, e o medo da cirurgia para tratar dessas doenças, os mal humor de sua nova esposa envolta com as agruras da osteoporose e do porquê, mesmo sendo aposentado pela Prefeitura do Rio de Janeiro (era arquivista) ainda precisa trabalhar para ter seu sustento e especialmente ajudar no sustento dos filhos (todos estão encaminhados, mas uma ajudinha extra do papai é sempre bem vinda...).


Contou que é Portelense e que Natal da Portela (famoso bicheiro carioca) o ajudou por diversas vezes e que o dito era bom para a comunidade, e mesmo não sendo um homem da Lei não era simpático ao negócio e às práticas dos traficantes....

Enfim, haja estória, quanto mais ele falava, mais eu perguntava e o danado não se cansava de contar seus causos, isso sem perder a elegância de segurar flanela e vassoura numa mão, balde noutra, tudo com um fardamento impecavelmente limpo e uma postura de fazer inveja a muito recruta...

Pois sim, durante várias oportunidades Ele chorou, eu marejei. De repende o museu era ele, eu estava aprendendo mais com aquele senhor que com qualquer cartaz falando sobre a Pangéia (que me perdoem os paleontólogos) ou as estatísticas do extrativismo mineral brasileiro (interessantíssimo por sinal)...

Conversamos um tempão, certamente mais de hora. Juntos achamos a bentonita, que eu fiz questão de contar o porquê do meu imenso interesse e a possível estória de quem havia doado aquela amostra ao museu (família Dantas de Campina Grande), contei que a cidade de Souza, onde tem as pegadas de dinossauro retratadas na parede do museu é na Minha Terra e que a pedra mais valiosa do mundo também fica lá, mas que eu nunca tinha visto uma e que no museu também não havia amostra (a turmalina paraíba)...enfim, eu aprendi muito e ele deve ter aprendido comigo alguma coisa também...

Nos despedimos respeitosamente como velhos amigos que talvez nunca mais se vejam, mas que apreciaram a companhia um do outro. Ele seguiu seu caminho e eu o meu.

Daí a questão que me absorveu (e até agora absorve...) após a saída do museu e retomada do plano de ir a trilha do Pão de Açúcar foi a seguinte:

....e se existissem Museus de Pessoas?

Não digo desses museus em homenagem a Fulano ou Beltrano, mas um museu onde a gente pudesse conhecer pessoas como Seu Milton, ou tantas outras, que nós comumente denominamos de Grandes Figuras.

Gente interessante, ou por ter boa prosa, ou por ser exótico, ou por ter ideias revolucionárias, ou por ter uma personalidade peculiar, enfim, pessoas interessantes...gente que a humanidade deveria ter a chance de conhecer, mas que nem sempre estarão sob os holofotes, como o nosso Presidente Lula, ou Michael Jackson ou Che Guevara, pois esses são muito fáceis de serem acessados (por sinal em breve teremos o filme sobre Lula).

Eu falo das pessoas comuns incomuns, como Seu Milton, e como estou no Rio de Janeiro, o dono de um albergue bicho-grilo multilingue metido a filósofo, ou seu hóspede que brigou com a esposa e foi morar no albergue e não queria mais voltar (esclareça-se ele queria voltar com a esposa, mas não queria deixar o albergue), ou o guia que passa 10 dias com você sem trocar duas frases e quando você vai embora por e-mail se derrama em prosas, tornando vocês grandes amigos, ou a garçonete que vive hoje com o dinheiro que talvez ganhe amanhã e nem se estressa com isso...tanta gente interessante que o Rio de Janeiro me apresentou e tantas outras que eu adoraria ser apresentada...

Nos museus espalhados pelo mundo afora, os organizadores normalmente contextualizam o tema, fazendo muitas vezes cenários, como o quarto de Napoleão, ou o laboratório do paleontólogo...no meu Museu de Gente, a estrutura seria a mesma; cada pessoa estaria posta em um lugar onde ficasse absolutamente à vontade, e a gente da mesma forma que faz com os quadros, com os fósseis, com os vídeos, simplesmente chegaria em seus nichos só que para conversar com elas...

O problema é que talvez as visitas ao meu museu demorassem horas ou até dias (ia ter cliente querendo se hospedar no museu e marca de cerveja patrocinando a obra) ...e ainda teria um grande diferencial, diferentemente dos museus comuns, não haveria aqueles avisos de - Não toque - Não fotografe - Não filme - os visitantes DEVERIAM tocar, fotografar e filmar as personagens, exatamente como eu fiz hoje ao me despedir de Seu Milton, naquele que segundo ele mesmo é seu melhor nicho - O Setor dos Minerais do Museu do DNPM (Departamento Nacional de Pesquisa Mineral), dei-lhe um grande abraço, acompanhado de um sincero: Muito obrigada.

...E mais uma vez, Mrs. Gilbert mostra sapiência em seus conselhos, quando menciona que devemos nos abrir aos professores que a jornada apresenta, e que eles aparecem nos lugares mais inesperados...Certíssima a autora. Afinal, que grande professor eu conheci hoje....

E você? Quem você colocaria num Museu de Gente?

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